sábado, 22 de agosto de 2009

A crise do senado federal

Por: Homero de Oliveira Costa, prof. do Departamento de Ciências Sociais/UFRN

O Senado brasileiro vive hoje uma de suas principais crises. É uma sucessão de escândalos: começou (ou ampliou-se) com a denúncia (comprovada) de que o então diretor-geral do Senado, Agaciel Maia - no cargo desde l995 (e por indicação de senador José Sarney) não havia declarado à Receita Federal uma mansão avaliada em 5 milhões de reais. Essa foi uma de uma série de irregularidades que vieram à tona depois, como a chamada "farra das passagens" - que beneficiaram tanto senadores quanto deputados federais de vários partidos e até ex-senadores, como 11 que não tinham mais mandatos e assim mesmo emitiram 291 passagens aéreas; o absurdo da assistência psicológica e odontológica vitalícia para mulheres ou maridos de parlamentares (e até mesmo para o diretor geral do Senado e o diretor dos Recursos Humanos), um motorista muito bem pago (12 mil reais) para ser mordomo da filha do presidente do Senado e atual governadora do Maranhão E mais recentemente a descoberta dos 312 boletins não publicados, com 663 atos administrativos.

Esse escândalo mais recente - o dos atos administrativos - conforme matéria publicada no jornal Estado de São Paulo beneficiou diretamente 37 senadores, de vários partidos (2 do PT, 5 do DEM, 2 do PSDB, 11 do PMDB etc.), ou seja, é pluripartidário.

Mas o problema central, a meu ver, é que há uma crise da instituição legislativa (que atinge os senadores, claro, muitos dos quais cúmplices e/ou beneficiários dos esquemas descobertos até agora), que se insere numa crise mais geral da representação política - que não é específica, nem do Brasil apenas, nem tampouco do Senado (até porque o que tem ocorrido na Câmara dos Deputados não é muito diferente), é uma crise de credibilidade das instituições, que se reflete na fragilidade de nosso sistema partidário.Quando nos referimos à crise mais geral, para alguns da própria democracia representativa, há de se levar em conta as especificidades do Brasil. Como mostra Raymundo Faoro, no excelente livro "Os donos do Poder" (publicado em l959), o Brasil é um país de larga tradição patrimonialista, ou seja, de uso privado do Estado, daí a "naturalidade" com que se empregam familiares para cargos públicos (ou a criação de cargos para beneficiar apadrinhados, como ocorreu com alguns dos chamados "atos secretos" do Senado recentemente), isso num contexto de uma cultura política do favor e do débito político.O senado, através do seu presidente, tem tomado algumas medidas importantes, como a demissão do diretor-geral e dos Recursos Humanos e estabelecendo que devam passar pelo crivo dos senadores, com mandato igual ao da Mesa diretora (2 anos), a promessa de acabar com as regalias (carro com motorista, uso indiscriminado de telefones etc.); a antecipação da entrada em vigor do Portal da Transparência (antecipado por causa da crise) e, mais importante, a formação de uma sindicância, com a participação do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União para analisar todos os contratos assinados, pelo menos desde l995 (quando Agaciel Maia assumiu o comando da Casa) e uma auditoria da folha de pagamento dos quase 10 mil funcionários do Senado (por si só isso já parece escandaloso: como um Senado com 81 membros tem quase 10 mil funcionários?).

São medidas importantes? São, mas não suficientes, porque o problema não é apenas de gestão administrativa (embora este seja importante como os fatos o tem demonstrado), mas de uma crise mais geral das próprias instituições legislativas.

Uma reforma política resolveria? Depende da reforma. O que está posto (e ainda em discussão) é uma mini-reforma, com apenas dois itens: a adoção do sistema de listas fechadas e o financiamento público de campanhas. Ambas são importantes, mas também insuficientes para resolver a crise de credibilidade das instituições legislativas. (uma reforma política ampla deveria comportar discussão sobre a diminuição do mandato (por que 8 anos e não 6 ou 4?) acabar com os suplentes etc).

Mas creio que os acontecimentos recentes podem ter o mérito de colocar em discussão a própria existência do Senado no Brasil. Isso já foi discutido inclusive dentro do PT: no 3º. Congresso do partido, o atual presidente do PT, Ricardo Berzoini, defendeu a proposta de um sistema unicameral (que foi derrotada), mas apresentou dados que mostravam que o país, com o fim do Senado, economizaria algo em torno de 2,5 bilhões por ano. A ONG Transparência Brasil divulgou dados relativos a uma pesquisa que mostrou como o Senado do Brasil, por membro, é o mais caro do mundo. Caro e ineficaz. É só observar ao longo desse mandato, por exemplo, o que tem sido aprovado e sua irrelevância.Há diversos países, de larga tradição democrática, que adotam o sistema unicameral (Suécia, Finlândia, Nova Zelândia, Portugal, Grécia, Israel, Noruega, Dinamarca etc.) que poderia servir de inspiração para um debate no Brasil. Não se pode apelar para nossa "tradição republicana" que adotou desde o início da República (l889) o sistema bicameral (Senado e Câmara dos Deputados), porque o que temos visto ao longo do tempo não depõe a favor de sua continuidade.

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